114 dias após a confirmação do primeiro caso de covid-19 no Brasil, a pandemia continua avançando a passos largos no país, deixando dezenas de milhares de vítimas fatais e famílias sem seus entes queridos. No Brasil, já são quase um milhão de infectados pelo novo coronavírus, 978.142 mil, quase a metade ainda em recuperação, e 47.748 óbitos, de acordo com o monitoramento da universidade Johns Hopkins. Os números, que mais do que números, são vidas, representam o fracasso da resposta brasileira à pandemia. Enquanto países que tiveram o primeiro caso registrado na mesma semana em que o Brasil confirmou seu primeiro caso da doença (26 de fevereiro) veem o número de novos casos diminuir a cada dia, como é o caso do Reino Unido, Espanha e Itália, por exemplo, o Brasil ainda vive o avanço descontrolado da covid-19.
A falta de uma política federal de enfrentamento à crise sanitária empurrou para governadores e prefeitos a responsabilidade. No Rio Grande do Sul, o Governo do Estado implementou o chamado “
Modelo de Distanciamento Controlado”, permitindo a reabertura de diversos setores até mesmo em regiões demarcadas com bandeira vermelha, consideradas de alto risco. Com essa política, adotada desde o dia 11 de maio, o estado, assim como o Brasil, viu o número de casos confirmados aumentar de 4.452, no primeiro dia de implementação do modelo, para 17.822 nesta sexta-feira (19), de acordo com o último
boletim
da Secretaria Estadual de Saúde.
Além do aumento no número de casos e óbitos, que já são 406, a doença também se espalha entre os municípios do estado. Em um
levantamento realizado pelo SIMPE-RS, no final de maio, a doença havia sido registrada em 257 dos 497 municípios gaúchos. Hoje a covid-19 já foi confirmada em 363 municípios, 73% total. Além disso, o sistema de saúde no estado se aproxima, cada vez mais, de seu limite. O clima frio do inverno no Rio Grande do Sul já provoca, anualmente, o aumento da ocupação de leitos hospitalares. Com a pandemia do novo coronavírus, antes mesmo da chegada do inverno, mais de 70% dos leitos de UTI adulto do estado já estão ocupados.
O Modelo de Distanciamento Controlado prevê quatro níveis de risco, representados por bandeiras nas cores amarela, laranja, vermelha e preta, que variam conforme a propagação da doença e a capacidade do sistema de saúde em cada uma das 20 macrorregiões determinadas pelo modelo. Pelo sistema adotado, 20% das regiões apresentaram piora na classificação desde o início da adoção do modelo, na semana de 11 a 17 de maio: a região de Uruguaiana (R03) passou da classificação em bandeira amarela para vermelha, nesta semana; já a região de Caxias do Sul (R23, R24, R25, e R26) passou da bandeira laranja para vermelha; e as regiões de Ijuí (R13), Santa Rosa (R14) e Bagé (R22) passaram de bandeira amarela para laranja.
Além disso, outras dez regiões mantêm a bandeira laranja, em zona de médio risco, na comparação com a primeira semana de adoção do modelo. Cabe ainda ressaltar que, no início da semana, as regiões de Santa Maria (R01, R02) e Santo Ângelo (R11) estavam classificadas com bandeira vermelha. No entanto, foram reclassificadas para laranja, após pressão das Prefeituras locais. Apenas três regiões melhoraram sua classificação, sendo que a região de Lajeado (R29,R30) passou apenas de bandeira vermelha para laranja. Outras duas mantiveram bandeira amarela.
O SIMPE-RS realizou um novo levantamento da situação nos 165 municípios com sedes de Promotorias de Justiça (PJs) do MPRS para saber como está a situação real a que os servidores da instituição estão expostos. Os resultados são alarmantes e mostram uma grande piora em relação aos primeiros levantamentos realizados pelo sindicato. Na primeira semana do “distanciamento controlado” e segunda semana de retorno das atividades presenciais no MPRS,
apenas 3,6% desses municípios estavam classificados com bandeira vermelha, nesta semana, já são 14,5% das unidades ministeriais do estado em bandeira vermelha. Antes da reclassificação de duas regiões, os números eram ainda piores: 26,1% das sedes em região de alto risco. No período, passamos de 7 para 24 sedes nessa situação (43 no início da semana), um aumento de mais de quase 400%. Além disso, as sedes em bandeira amarela, que representavam 20,6% no início de maio, caíram para 16,4%, e 69,1% das cidades com PJs estão localizadas em regiões classificadas com bandeira laranja.
Os números de casos e óbitos nos 165 municípios com sedes ministeriais também são cada vez mais preocupantes. No levantamento realizado em 25 de maio, eram 5.672 casos confirmados da doença, agora, em 19 de junho, esse número já subiu para 15.294, um aumento de 169,64%. Já o número de óbitos passou de 152, no final de maio, para 353, 132,23% a mais comparado com o levantamento de maio. Além disso, o MPRS está presente em apenas 33,2% do total de municípios gaúchos, por outro lado a covid-19 já se alastrou por 73% do Rio Grande do Sul. Mesmo assim, 85,81% dos casos de infecção pelo novo coronavírus e 86,94% dos óbitos decorrentes da doença estão concentrados nas 165 cidades com sedes do Ministério Público. Somente nas últimas 24 horas, foram registrados 621 novos casos nessas localidades.
Também houve, no período, o aumento do número de municípios com sedes ministeriais com registro de casos de covid-19. No levantamento de maio, 40 dos 165 municípios não apresentavam casos confirmados. O novo levantamento identificou que esse número caiu para apenas 11, ou seja, são mais 29 cidades atingidas. O caso de Santana do Livramento, preocupa nesse sentido, já que passou de 0 para 83 casos em apenas 25 dias. No total, somente entre os municípios que não tinham casos confirmados e agora apresentam registro da doença, são 296 casos e 9 óbitos, dois em Livramento.
Nas cidades que já tinham casos confirmados em 25 de maio, a situação também é alarmante, foram 9326 novos casos no período entre os dois levantamentos. Algumas cidades tiveram aumentos superiores a 1000%, como General Câmara (+1050%), São Gabriel (+1657%), Canela (+2100%), Campo Bom (+2250%) e Sarandi (+2400%), chegando ao extremo de Caçapava do Sul, com aumento de 3300% nos casos. Em números absolutos, as cidades com maior aumento no número de casos foram Porto Alegre com mais 1.030 casos, Passo Fundo com aumento de 854 casos e Lajeado registrando mais 684.
A incidência da covid-19 também aumentou, de forma geral, mas de maneira extrema em alguns municípios. Um caso que chama a atenção é o de São Valentim, que passou de incidência de 27.6, para 636.6 casos por 100 mil habitantes. Marau, Garibaldi e Lajeado têm as maiores incidências da doença: a incidência em Marau passou de 395.8 para 1091.5; em Garibaldi, de 709.3 para 1328.8; e em Lajeado, de 1108.4 para 1849.7, maior do estado. O caso de Palmeira das Missões também se destaca, negativamente. Na semana passada, o jornal Brasil de Fato denunciou um caso de covid-19 na Promotoria de Justiça da cidade, enquanto os demais servidores seguiram trabalhando no local. De fato, a cidade registra um aumento acelerado no número de casos: já são 105 registros confirmados, 400% a mais do que no primeiro levantamento; e a incidência da doença passou de 60 para 315.3.
A piora geral em todos os dados relativos à pandemia de covid-19 no Rio Grande do Sul demonstra que é hora de rever algumas decisões. Se a resposta escolhida pelo Governo do Estado não está funcionando, é preciso voltar atrás e adotar a principal medida que, desde o início, foi recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), distanciamento social. No início de maio, a administração do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MPRS) decidiu adotar as orientações do modelo estadual de “distanciamento controlado”, reabrindo as sedes para expediente presencial e atendimento ao público. No entanto, se o modelo seguido não vem apresentando resultados positivos em preservar a saúde e a vida da população, também o Ministério Público estadual necessita rever o caminho adotado.