Por Silvia Generali da Costa, psicóloga e assessora em saúde do SIMPE-RS
Hoje nossa reflexão semanal segue na linha do texto “Sovando um Pãozinho”, publicado em 23 de junho, buscando resgatar as pequenas alegrias e realizações do dia a dia. É um texto para abandonar a ilusão de que a felicidade provém exclusivamente de grandes feitos. Também serve para acompanhar mais uma vez o psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi em sua proposta de que a felicidade está em uma série de pequenos momentos felizes do cotidiano.
Para ilustrar a ideia, busquei a música Pequenas Alegrias da Vida Adulta, do rapper brasileiro Emicida¹. Escolhi este cantor e compositor porque ele tem uma série de letras socialmente engajadas; porque é alguém que traz grande e positiva representatividade ao povo negro – o que é fundamental em tempos de racismo explícito; e porque a letra expressa uma mensagem importante em tempos de pandemia, em que os grandes feitos ficam de lado para comportar a vida entre quatro paredes.
Como o título sugere, perceber e valorizar as pequenas coisas como “encontrar uma Tupperware que a tampa ainda encaixa”, exige maturidade. Quando somos crianças ou adolescentes, nossos sonhos são grandiosos, assim como nossas expectativas sobre a vida e as pessoas. A menina quer ser astronauta, o menino um cantor famoso. Os adolescente querem encontrar um par perfeito mas consideram um interminável sofrimento ter de lavar a louça. Para as crianças, os pais são perfeitos e, portanto, capazes de tudo. São os super-heróis que nada temem e que tudo resolvem, que tudo sabem e de tudo cuidam. Para os adolescentes, que começam a desconstruir a imagem idealizada dos pais, os “véios” são só fracasso: antiquados, teimosos, medrosos, cafonas. Com a maturidade suportamos melhor a dualidade do tipo dificuldades e facilidades, dias difíceis e dias bons e qualidades e defeitos nossos e alheios.
Alguns indivíduos, entretanto, permanecem eternos críticos, insatisfeitos e exigentes, como os adolescentes que descobrem a inexistência da perfeição, ou como as crianças que continuam a acreditar nela e a buscá-la.
É possível apreciarmos as pequenas alegrias da vida adulta se formos adultos, em todos os sentidos, não somente no aspecto cronológico.
Em tempos de pandemia, esta atitude é vital para nosso bem-estar. Nossa mobilidade e nossos contatos sociais estão limitados, então podemos nos sentir (e de fato estar) mais distantes da grandeza. Mas estamos muito mais próximos do que Emicida traz, em seu elogio ao amor e à simplicidade: “Triunfo hoje pra mim é o azul no boletim (...) uma boa promoção de fraldas nessas drogarias”.
Alguém poderá alegar que quem está desempregado ou falido não pode se beneficiar destas pequenas coisas e, portanto, a proposta não é realista. Em minha defesa estão diversos psicólogos que estudaram a motivação humana a partir das décadas de 1950 e 1960, principalmente Abraham Maslow (Hierarquia das Necessidades) e Frederick Herzberg (Teoria dos Dois Fatores). De suas pesquisas, emergiu a tese de que há necessidades básicas que exigem atendimento para que seja possível encontrar a felicidade. Incluem-se aqui os itens ligados à sobrevivência, como alimentação e abrigo, por exemplo, obtidos através de trabalho e dinheiro. A partir de um certo ponto de satisfação destas necessidades, entretanto, o dinheiro não é mais um elemento motivador. Então, a reflexão desta semana não está descolada da realidade e pressupõe que possa ser posta em prática por indivíduos com suas necessidades básicas ao menos razoavelmente atendidas².
Com minhas necessidades básicas atendidas, pude elaborar um rol de motivos de satisfação. Encabeça minha lista pessoal de pequenas alegrias de um adulto em tempos pandemia a convivência com a família. Em seguida vem poder viver em ritmo mais slow, colocar ideias e trabalhos em dia, pintar, escrever, passear com nossa Lhasa nos dias de sol, as receitas culinárias que funcionam e a vizinha que passou a entregar pão caseiro recém saído do forno. A lista é longa. Qual é a sua lista?
Notas:
[2] Quem tiver interesse pelas teorias clássicas da motivação, procure conhecer Maslow e Herzberg. Se não puder ler as obras destes autores, procure um livro de Comportamento Organizacional no qual sempre haverá um capítulo sobre motivação, a exemplo dos livros de Stephen Robbins e do meu.