O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na semana passada, que é possível a averbação do tempo de serviço prestado por servidores públicos em condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, e sua conversão em tempo comum para fins de concessão de aposentadoria especial. A decisão, contudo, é válida apenas até a edição da Reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103/2019). A partir da vigência da EC/103, as regras para a conversão de tempo especial deverão ser regulamentadas por lei complementar dos entes federados. De acordo com o STF, a decisão servirá de parâmetro para solucionar pelo menos mais de 900 casos semelhantes sobrestados em outras instâncias.
No caso analisado pelo Plenário, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) havia reconhecido a assistentes agropecuários vinculados à Secretaria de Agricultura e Abastecimento estadual o direito à averbação do tempo de serviço prestado em atividades insalubres, para fins de concessão de aposentadoria especial. Por não haver lei complementar federal sobre o assunto, o TJ-SP, em mandado de injunção (ação que objetiva suprir ausência de regulamentação), assegurou aos servidores a aplicação das regras do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Na ação interposta ao Supremo, o Estado de São Paulo argumentava que não há lei autorizando ao funcionalismo local a averbação, para fins de aposentadoria especial, do tempo de serviço prestado por quem recebe auxílio insalubridade. Afirmava, ainda, que a regra constitucional que assegura aos servidores a aposentadoria especial não é autoaplicável nem poderia ser suprida pela aplicação analógica das leis federais que regem o RGPS (Leis 8.212/1991 e 8.213/1991), pois sua regulamentação exigiria lei complementar.
Critérios diferenciados
Prevaleceu, no julgamento, o voto do ministro Edson Fachin no sentido de que, até a edição da EC 103/2019, não havia impedimento à aplicação aos servidores públicos das regras do RGPS para a conversão do período de trabalho em condições nocivas à saúde ou à integridade física em tempo de atividade comum. Segundo o ministro, não procede o argumento de que o fator de conversão seria uma forma de contagem de tempo ficto, pois se trata apenas de um ajuste da relação de trabalho submetida a condições especiais. Ele salientou que a aposentadoria especial com tempo reduzido de contribuição reconhece os danos impostos a quem trabalhou, em parte ou na integralidade da vida contributiva, sob condições nocivas.
Fachin observou que, ao se interpretar a finalidade da regra constitucional, é possível verificar a necessidade de critérios diferenciados para o cômputo do tempo de serviço em condições de prejuízo à saúde ou à integridade física. Segundo ele, a nova redação do texto constitucional permite ao ente federado estabelecer, por lei complementar, idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. Os ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso também divergiram do relator e fixavam teses diferentes, porém no mesmo sentido.
Repercussão geral
A tese de repercussão geral fixada no julgamento foi a seguinte:
“Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do trabalho prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4ºC, da Constituição da República”.
O advogado Jefferson Alves, da assessoria jurídica do SIMPE-RS, comenta a decisão do STF: “Esse julgamento é extremamente importante para os servidores públicos porque regula um direito previsto na Constituição, que é da existência de tempo diferenciado para os servidores públicos que exercem atividades insalubres ou perigosas. Porém, pela falta de regulamentação dessa disposição constitucional, a administração pública não aplica a contagem de tempo diferenciado quando este é averbado ou quando é apenas utilizado em uma parte. Então, o que essa decisão do STF traz é a aplicação da regra do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que prevê a conversão de tempo especial para as aposentadorias com um acréscimo de 40% para os homens e 20% para as mulheres. É uma decisão muito importante porque traz a complementação de normas para a aplicação de um direito constitucionalmente estabelecido”, afirma o advogado.
Fonte: Ascom STF. Editado por SIMPE-RS.