Por Silvia Generali da Costa, psicóloga e assessora em saúde do SIMPE-RS
Começo a reflexão da semana deixando bem claro que meu propósito ao abordar a automedicação não é oferecer informações clínicas completas nem o estado da arte sobre o tema. Para isso, a crônica deveria ser escrita por um médico especialista nas causas e consequências da ingestão de remédios sem orientação especializada.
O que me traz a este texto é o alerta de colegas do SIMPE-RS de que servidores do MP estariam utilizando medicação sem acompanhamento médico e que o uso estaria aumentando na pandemia de COVID-19. O motivo? Pressão por produtividade, incerteza quanto ao futuro, medo do trabalho presencial, entre tantos outros. Não vou repetir aqui todas as causas, já bem conhecidas, de adoecimento devido ao isolamento social imposto pela pandemia. O que pretendo é alertar os leitores sobre os riscos da automedicação, em uma fase de surgimento ou agravamento de quadros de estresse, ansiedade e depressão, dentro e fora do MP.
Muitos sites, livros, médicos, fisioterapeutas e educadores físicos têm insistido na importância de medidas naturais para combater os sintomas destas doenças. Exercícios físicos, alongamentos, meditação, alimentação balanceada, horários regulares de sono e tempo destinado ao lazer ativo estão entre as principais recomendações.
Entretanto, todas estas medidas sugeridas envolvem uma complexa mudança de hábitos e de comportamentos. Quem gosta de exercícios e já vinha praticando regularmente alguma modalidade esportiva pode não compreender as barreiras que o sedentário encontra para começar e – o mais difícil – para manter-se em movimento. Aquele que tem hábitos alimentares frugais não consegue compreender o impulso alheio por fast-food, doces e industrializados. Os indivíduos focados não entendem como causa estranhamento para alguns meditar ou praticar o mindfulness.
Frente às dificuldades de modificar comportamentos; à persistência dos incômodos sintomas da ansiedade, da depressão e dos ataques de pânico - só para citar alguns dos quadros mais frequentes; e com a pressão das organizações de trabalho para que o indivíduo se mantenha produtivo, o trabalhador se volta para soluções rápidas e eficientes. Na busca de uma forma imediata de alívio da dor, física e psíquica, é que surge a automedicação como uma alternativa viável.
As redes sociais anunciam que o ator famoso se sente ainda mais esplêndido após ingerir as cápsulas XYZ. A amiga recomenda aquele comprimidinho que deu certo para ela. O primo, aquele remedinho que fez milagres contra sua insônia. Eles têm efeitos colaterais? Eu não senti nada – diz o colega bem intencionado.
Assim começa o ciclo do remédio para dormir, depois o remédio para acordar, o que ajuda a manter a calma, o que ajuda a manter a concentração no trabalho e aquele que diminui as dores pelo corpo. Unem-se num caldo de consequências imprevistas os chamados calmantes, os antidepressivos, os analgésicos, os relaxantes musculares e os anti-inflamatórios. Estas classes de medicamentos são as mais utilizadas devido aos sintomas mais comuns do estresse, da ansiedade e da depressão que são a insônia ou o dormir excessivo, as dores de cabeça, as dores musculares (principalmente nas costas e nos ombros), gastrite, azia, agitação, irritação, falta de concentração e falta de ânimo nas atividades diárias.
Remédios são ótimos aliados para aliviar dores e sintomas de doenças mas não são “balinhas”, como já me disse um médico experiente.
Paz e Ralph¹ se utilizaram de pesquisa bibliográfica em seus estudos relacionados ao uso contínuo de anti-inflamatório e seus potenciais riscos à saúde. Concluíram que “...apesar dos efeitos benéficos, esses medicamentos não são inócuos (...) O uso prolongado, sem o devido acompanhamento farmacoterapêutico, pode resultar em danos graves ou até irreversíveis para a saúde, tais como: lesões gastrointestinais, insuficiências renais, efeitos cardiovasculares entre outras...”.
Lima, De Lima e Da Silva² afirmam que a automedicação tornou-se um fenômeno comum devido à “dificuldade no acesso ao serviço médico, acesso livre à informação pelos meios tecnológicos de comunicação, indicação por familiares e amigos, reutilização de medicamentos no domicílio (...) fatores econômicos, políticos e culturais têm contribuído para o crescimento e a difusão desta prática no Brasil, tornando-a um problema de saúde pública”.
Agravando a situação, Poiani, Schmid e Martinez³ identificaram que a publicidade voltada à venda de medicamentos com páginas na internet ou redes sociais apresenta “...falta de informação suficientemente adequada sobre os riscos do uso do medicamento ou pouco destaque a essa informação; não destaque aos nomes dos princípios ativos; possível sugestão de diagnóstico e utilização de pessoas leigas indicando a utilização do medicamento”. Tais práticas de venda podem estar entre as causas da automedicação na medida em que fazem parecer que remédios são como quaisquer outros produtos que se pode adquirir sem que alguém nos oriente a respeito.
Especificamente sobre a automedicação para transtornos de ansiedade, Santos4 aponta que “os benzodiazepínicos (BZD) são utilizados como primeira escolha para tratamento por seu alto poder sedativo e hipnótico além de possuírem propriedade anticonvulsivante e miorrelaxante, ou seja, (...) proporcionam tranquilidade aos pacientes”. Na lista de indicações aparecem, em segundo lugar, os antidepressivos.
É difícil separar as causas de uma reação sintomática específica. As dores musculares podem ter sua origem tanto em um transtorno de ansiedade quanto na inadequada ergonomia no trabalho e nos movimentos repetitivos. Só um especialista pode detectar a origem do problema5.
Mas, como alerta Santos, os medicamentos para ansiedade, “geram uma melhora rápida e são bem tolerados (...) porém (...) podem causar dependência e abstinência por aqueles que fazem o uso abusivo dessa classe medicamentosa (...) também pode causar sedação e comprometimento psicomotor quando combinado com outras substâncias como etanol ou drogas ilícitas”. Entre os efeitos colaterais adversos que podem surgir em alguns pacientes que tomam antidepressivos estão o ganho de peso, a sonolência e alterações na libido. Já os principais problemas no uso abusivo dos BZD são a tolerância e a dependência.
O que se pretende com esta reflexão não é sugerir que os portadores de transtornos depressivos ou de ansiedade sofram calados ou que subitamente tornem-se monges budistas capazes de horas de meditação e quietude. O que os estudos sugerem e que nos parece de extrema importância, é que aqueles que sentem dores, no corpo ou na alma, possam procurar um acompanhamento médico adequado para avaliar a relação custo/benefício da ingestão de determinado medicamento, bem como as alternativas disponíveis para cada caso.
Notas:
[1] PAZ, A. S; RALPH, A. C. L. O papel da atenção farmacêutica no uso indiscriminado de anti-inflamatórios não esteróides (AINES) REDE –2020; 1:85-92
[2] LIMA, Viviane da Silva; DE LIMA, Maria do Socorro Gomes; DA SILVA, Gabriela Cavalcante. Caracterização e fatores associados ao uso indiscriminado de medicamentos isentos de prescrição no Brasil. Rev. Bra. Edu. Saúde, v. 10, n.3, p. 156-163, jul-set, 2020.
[3] POIANI, Lucas Curtolo; SCHMID, Charles; MARTINEZ Luis Lopez. Análise de material publicitário, disponível na internet, sobre analgésicos à base de dipirona que são vendidos sem a necessidade de prescrição, e os riscos da automedicação. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. Epub, 2020 Jul 03
[4] http://repositorio.faema.edu.br:8000/jspui/handle/123456789/2473
SANTOS, Deise Kelly Lopes. Transtorno de Ansiedade na juventude e o uso abusivo de Benzodiazepínicos. Monografia apresentada ao curso de Graduação em Farmácia da Faculdade Educação e Meio Ambiente – FAEMA, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Farmácia. ARIQUEMES –RO2019
[5] Santos nos mostra uma série de respostas fisiológicas, cognitivas, comportamentais e afetivas relacionadas ao Transtorno de Ansiedade que levam à busca de alívio imediato através da automedicação. Estas respostas, entretanto, podem estar relacionadas a uma série de outros transtornos. Por exemplo: tensão física, bloqueio do pensamento, impaciência, taquicardia,diminuição da atenção e da concentração, hipertensão arterial, discurso acelerado, alterações de memória, tonturas, insônia, inquietação, julgamento errôneo, medo, preocupação excessiva, pavor, hipotensão, torpor, inquietação, redução da criatividade e da produtividade, sentimentos de culpa, isolamento social, medo de morrer, vergonha, tendência a acidentes, perda da objetividade, fraqueza, medo de perder o controle, pesadelos, engasgos, sudorese localizada ou generalizada, perda do apetite, desconforto abdominal, ondas de calor e de frio, náusea, palidez e diarreia. Com esta variedade de sintomas não fica difícil de imaginar a quantidade e a variedade de medicamentos que podem ser ingeridos na busca do alívio ao sofrimento.